Roteiro 6

O visual das artes plásticas: espaços e acervos

Grafite na fachada do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc) Foto: Sara Maia

No apanhado que faz ao final de Artes plásticas no Ceará, o artista Nilo de Brito Firmeza, o Estrigas, condensa uma pá de pintores, escultores e eventos que são importantes para a formação das artes produzidas ao longo do século XX em nossas terras. Pois a lista parece nos dizer, ainda que não explicitamente, uma coisa simples, mas lapidar: não é possível compreender a história das artes em Fortaleza se não se passeia pelos salões de exposição do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc).

A ideia do Mauc veio do primeiro reitor da instituição, Antonio Martins Filho. Em “História Abreviada da UFC”, ele reproduz um itinerário de viagem. Em 1949, visitou o Museo del Prado, em Madrid, que impressiona pelo tamanho. Em 1952, viu de perto os salões de Florença, Milão, Gênova. “Já no exercício da Reitoria da Universidade (Federal) do Ceará, passei a considerar a importância dos museus e sua alta significação na sedimentação da cultura de um povo”, considera.

Quando Martins Filho iniciou o movimento pró-fundação do equipamento no Benfica, o pintor maranhense Floriano Teixeira sairia da função de desenhista na Divisão de Obras e viria trabalhar em seu gabinete, “na condição de assessor para assuntos de arte”. Teixeira ajudou a coletar material para um acervo robusto. A princípio, foi uma amostra de arte popular nordestina – o que se converteria num dos maiores patrimônios de xilogravuras do país –, ex-votos e peças de arte sacra. Depois, artistas plásticos do Ceará. E do mundo.

“Nada melhor do que uma exposição de [Antonio] Bandeira para mostrar que o Museu de Arte da Universidade do Ceará nasceu vivo e promete endiabrar-se”, festejava o escritor Fran Martins no catálogo distribuído em julho de 1961, na festa de abertura. Antonio Bandeira, um dos grandes da pintura no Brasil, está guardado no acervo até hoje. A ele, outros se acrescentariam. Há Sérvulo Esmeraldo, Aldemir Martins, Chico da Silva. Tem também Albrecht Dürer, Jean-Pierre Chabloz, várias gravuras japonesas.

Hoje, o Mauc mira a Reitoria da Universidade. Faz parte do corredor cultural do Benfica, junto com outros equipamentos da UFC, como o Teatro e a Rádio Universitária, a cinematográfica Casa Amarela Eusélio Oliveira e as Casas de Cultura Estrangeira. Mas é apenas uma parte do percurso. Seguindo na avenida, o Centro ainda consegue nos contar tantas histórias sobre a cultura no Ceará.

A memória

O Palácio Senador Alencar, antiga Assembleia Provincial, nasceu num momento da história em que, devido ao centenário da independência, comemorado em 1922, voltava-se a pensar muito em fixar uma identidade para o País.

“O Museu teve uma trajetória marcada pela sua utilização como instrumento formador de identidade, onde se buscava construir uma memória através de operações ideológicas que produzissem significados e representações sobre a História do Ceará”, escreve Ana Amélia Oliveira no trabalho “Juntar, separar, mostrar”, em que estuda o equipamento desde a fundação até 1976. Segundo Oliveira, a história por que se interessava Eusébio de Sousa, o primeiro diretor, era aquela contada pelos vitoriosos e pelas elites.

Mas essa ideia, como explica a atual diretora da instituição, a museóloga Cristina Holanda, foi se modificando com o tempo. A noção de uma identidade unívoca, homogênea, coesa, fazendo da cena brasileira algo sem vida e sem conflito, envelheceu. Após os anos 1980, a pluralidade lhe tomou o lugar no pódium. “O Museu veio acompanhando esse percurso de mudança da própria sociedade com relação ao que considera identidade”, afirma Holanda.

Os objetos de que Eusébio de Sousa lançou mão para tentar nos definir, como as telas do pintor oficial Jota Carvalho, estão contrabalanceadas, atualmente, com peças documentando a vida dos anônimos. Dois mil artigos do acervo são, por exemplo, artefatos arqueológicos de período pré-cabralino. Há produtos também provenientes de grupos negros, como instrumentos de tortura usados para submeter escravos africanos na época do Império no século XIX. Ao todo, são 15 mil itens.

“Muitas peças ainda estão vinculadas à perspectiva de quando foi fundado, exaltando os grandes nomes da política, da Igreja, do Exército. Mas, mesmo ainda tendo esse acervo oficial, com o trabalho educativo de mediação, com o apoio de legenda, tentamos fazer o acervo dar conta de memórias plurais”, diz Holanda.

E, em meio a generais e anônimos, um ícone polêmico: o bode Ioiô, de vida boêmia e barbicha descuidada, não garantiu morada no Museu senão sob fervorosa controvérsia. “O que fazia um animal entre os homens de bem?”, perguntavam-se os sujeitos das décadas de 1930 e 1940, segundo Holanda. Mas é exatamente o bode que esteve desde sempre exposto, nunca foi para a reserva técnica e tem sido matéria de livros, cordéis e filmes.

Raimundo de Menezes, no livro “Coisas que o Tempo Levou – Crônicas Históricas da Fortaleza Antiga”, assegura sobre Ioiô que “ninguém o molestava, nem sequer os fiscais municipais, quando de seus passeios diários pelas ruas de Fortaleza”. Veio do interior em 1915 e foi vendido pelo dono à firma Rossbach Brazil Company, que o deixa se fixar ali pela Praia de Iracema, levando uma vida de perambulação. E certamente de prazeres.

Casa Amarela Eusélio Oliveira, estímulo à produção cinematográfica cearense Foto: Iana Soares

Os Centros de Cultura

Nada melhor para o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) do que ficar na rua Floriano Peixoto, num dos bairros mais movimentados da cidade. É que o objetivo dos espaços de exposição, da biblioteca, do teatro e dos auditórios é formar plateia. Em outras palavras, raptar um pouco as pessoas do ruge-ruge de compras e trabalho – nem que seja o tempo de uma peça ou, quem sabe, o intervalo de visita a uma mostra.

Diariamente, 1200 pessoas esquecem as preocupações para frequentar o lugar. Uma pesquisa, feita pelo próprio Banco, revelou que a maioria vai para a biblioteca. Mas outros tantos veem as exposições temporárias. “Nosso foco principal é de disseminação da arte nordestina, mas trazemos artistas também de outras partes do Brasil. A gente tem tentado intensificar nossas ações para atrair sempre novos públicos”, diz Téssi Letícia Barbosa, a gerente do CCBNB de Fortaleza

Foram 168 mostras desde 2003, quando começaram a fazer exposições temporárias. Entre elas, mostras do fortalezense Leonilson, do carioca Helio Oiticica e do paraibano José Rufino. No acervo do Banco, há cerca de 800 obras, dentre as quais, uma coleção de gravuras nordestinas e outra de artistas que produziram nos anos 2000. Ainda há os painéis de Caribé e de Zé Tarcísio, que se encontram nas enormes paredes do Centro.

Não muito longe dali, outro centro cultural se prepara para o sábado à noite. E enquanto os bares dos arredores se apinham de gente, os cinemas vendem pipocas para as sessões, o teatro acomoda o público para o espetáculo. No Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Centro Dragão do Mar, está em cartaz alguma exposição que, no dizer do artista plástico e diretor do lugar José Guedes, “põe o Ceará em sintonia com a produção mundial”.

De acordo com Guedes, diretor do Museu por dois períodos (1998-2002 e 2007 até hoje), o espaço tem plena capacidade e experiência de receber grandes trabalhos. E já o fez. Como, em 2000, na exposição do francês Auguste Rodin, em que havia 27 obras do escultor; ou ainda na mostra “De Picasso a Gary Hill”, de 2010, com trabalhos do pintor espanhol, mas também dos mestres Henri Matisse e Marc Chagall. “É fácil convidar artistas para expor no MAC, porque o prestígio do museu hoje é internacional”, comemora.

Para Guedes, o melhor é manter o artista cearense em diálogo com a arte dos outros países da América Latina. “Você sente a facilidade dos artistas ao querer participar. Isso é por conta da nossa imagem positiva. Sobretudo na América Latina, porque lançamos artistas que fizeram primeiras individuais aqui e depois ganharam o mundo”, conclui. Mais de 1200 obras estão no acervo.

O Professor explica

Outra obra de arte que lembra muito bem a nossa cultura e nossa cidade é a estátua de Iracema, no Mucuripe. A obra é composta pela índia Iracema, Martim Soares Moreno e seu filho Moacir. Criada pelo artista plástico pernambucano Corbiniano Lins, a estátua está na praia do Mucuripe, lugar onde a índia esperava o retorno de Martins Soares Moreno, segundo a lenda. A estátua foi inaugurada em 1965.

O homem mais rico, do estado no início do século XX, o sobralense José Gentil Alves de Carvalho, para controlar suas negociações feitas na capital, transferiu-se para uma área que vai ser chamada futuramente de Gentilândia, contendo estruturas que hoje são a reitoria da UFC, as Casas de Cultura, Faculdade de Economia, chegando a terras que compõe o 23º Batalhão de Caçadores(23ºBC). Onde localiza-se o MAUC também já foi dos Gentis, mas durante muito tempo, cedido por eles, foi a primeira instalação do colégio Santa Cecília.